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flor roxa

Eu a encontrei no chão, no meio da calçada, quase esmagada. Era um galhinho de uma planta bem roxa, bastante usada para ornamentar canteiros. Isso foi antes da pandemia começar, nos meses que a antecederam e nos quais sequer sonhávamos com o coronavírus. Eu tinha acabado de sair de dois empregos que me garantiam, além de satisfação pessoal, certa tranquilidade financeira. Minhas ideias e sentimentos estavam se desprendendo de mim, fragmentados.

Embora fosse inverno e estivesse bem frio, fazia sol e havia céu azul. Sem saber direito o que fazer na ausência da pressa que até então me acompanhava, eu estava a caminho da natação, quando a notei. Desconheço a razão, mas me apiedei daquela planta que, metade já esmagada e ressentida pela falta de água, ainda oferecia ao mundo uma pequenina e delicada flor rosa. Mentalmente “fizemos” um combinado: se ela estivesse ali quando voltasse, eu a levaria para casa.

No retorno, ainda com sua florzinha intacta, ela estava lá, prostrada na calçada. Promessa é dívida, mesmo que ninguém saiba e assim eu a levei comigo, deixando que ela, por algum tempo, se recuperasse em um copo com água. Após uns dois dias, novas mini flores se anunciaram e eu as aceitei como gratidão pelo resgate efetuado. Plantei a mudinha ao redor do Ipê que temos em frente de casa e rapidamente ela tomou conta do lugar.

Como tem um crescimento típico de forrações, fui colocando galhinhos dela ao redor de outras árvores plantadas em nossa rua de um quarteirão, como o intuito de que ela ajudasse a reter a terra e a umidade no local. Valentes, as herdeiras da plantinha tomaram a dianteira e em alguns meses nossa rua adquiriu nuances roxos e rosados.

Tal qual já relatei nesse espaço, tenho ajudado em um projeto desenvolvido numa praça nas proximidades de casa, na qual se faz compostagem termofílica. Semanalmente são despejados dentro de uma das atuais três composteiras, cerca de 250kg de resíduos. O produto da compostagem é usado para manutenção das muitas e grandes árvores da praça. Ao redor delas vem sendo construídas barreiras destinadas a evitar que a chuva provoque erosão, deixando as raízes a descoberto, o que pode levar à queda da árvore, condenando-a, bem como vitimando pessoas e animais.

Diante do pedido de mudas de plantas para auxiliar no reforço das árvores, logo pensei na minha plantinha, em suas lindas flores minúsculas e na sua força de viver. Preparei e levei para lá várias mudas, as quais já tomaram seus postos. Três semanas se passaram desde então e é possível constatar que elas serão bem-sucedidas no intento de se apoderarem do local. Imagino como estarão os arredores das árvores da praça dentro de mais alguns meses e meu coração se aquece ao me recordar aquele primeiro pedacinho, daquela vida que enxerguei lá dentro e que não quis deixar perecer, indiferente.

Meu pai sempre diz que meu avô tinha uma máxima: tudo na vida tem o seu destino, até os animais. Falava isso sempre que via animais muito bem tratados e outros com vidas miseráveis. Muitas vezes essa frase ecoa em mim, sobretudo quando tento entender quais os critérios universais de distribuição de dádivas e de desgraças. Porém, seja lá como for, creio que de fato tudo nesse mundo tem realmente um destino, um fado único, até mesmo um galhinho roxo e sua florzinha rosa.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e um dia se apaixonou por uma plantinha roxa – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. /www.escriturices.com.br