Nem tenho certeza de como isso começou, mas durante muitos anos, na nossa família, quando aparecia uma imensa borboleta azul, minha avó paterna, a Dona Nena, falava que era o falecido marido, meu avó José, que vinha nos visitar. Se não estou errada, essa história começou ainda quando ele era vivo, e foi como como um combinado entre o casal e um outro amigo. Fato é que, em algum momento, ver uma mariposa azul em datas festivas, era sempre motivo de brincadeiras e de emoções.
Mesmo depois da partida minha avó, ficou inevitável fazermos associações e brincadeiras sobre borboletas ou mariposas azuis e parentes falecidos. Assim, no último dia de 2024, estava eu na casa dos meus pais, tal como faço todos os anos, e, pensando nas ausências mais recentes, lembrei-me de uma tia amada, a quem, neste texto, darei o fictício nome de Lúcia.
Tia Lúcia foi uma constante nas nossas vidas. Era um ser humano incrível, presença marcante e fixa em nossos eventos familiares. Quando ela se foi, uma parte de nossa história deixou de existir. Acredito que enquanto eu viver, terei a sensação de que ela vai chegar para comemorar a noite de Ano Novo conosco. Em pensamentos, com saudades, pedi a ela que, se pudesse, mandasse uma borboleta azul nos visitar naquela noite.
Horas mais tarde, comentei com os presentes, em tom de brincadeira, sobretudo com irmãs e sobrinhos, falando para ficarem atentos, pois eu esperava receber o dito contato e juntos demos boas risadas, registrando a saudade imensa que temos, não apenas dela, mas de todos aqueles que o tempo levou embora.
Ceia servida, todo mundo alegre, entre brindes e cantoria, fui levar as louças até a cozinha, onde uma pilha gigante já aguardava por alguém de boa vontade, quando uma sombra passou por mim, rente à minha cabeça. Talvez fossem os dois drinques que eu tomara, mas senti o coração acelerar, pensando que fosse uma grande borboleta azul, a mensageira.
A criatura alada veio diretamente sobre minha cabeça, mas como eu segurava os pratos, não consegui conferir no mesmo instante. Tão logo desvencilhei uma das mãos, toquei os cabelos e qual foi o meu susto ao perceber que se tratava de uma imensa e cascuda barata! O grito que se seguiu foi automático, bem como o meu sapato que matou a dita cuja.
Uma das minhas sobrinhas perguntou, na sequência, depois que todos correram para ver o que tinha acontecido: “Mas e se fosse a Tia Lúcia?” Admito que não tinha pensado naquela possibilidade e eu, que por convicção, não costumo matar nada, à exceção de baratas que voam sobre mim, comecei a rir da situação.
Dali para frente, passamos a noite toda nos divertindo com o fato. A tia Lúcia era bem surda e, talvez, não tivesse entendido, lá do Céu, direito o recado, afinal Borboleta e Barata começam com mesma letra. Como eu pedi de última hora, quem sabe não houvesse borboleta disponível naquele momento e uma barata tenha sido a única opção. O fato é que não fui capaz de dar a melhor recepção e a visita, se fosse o caso, fora enviada de volta para o outro lado da existência, quase imediatamente. Falha na comunicação, infelizmente.
Brincadeiras à parte, aquilo tornou a nossa noite mais leve e, agora percebo, Tia Lúcia esteve presente naquela noite, lembrada por nós com carinho, com saudades e rindo como ela também o faria. Então, quem sabe, a visita tenha mesmo ocorrido, vinda de nossas lembranças e do amor que havia entre nós. Curiosamente, porém, quando fomos dormir, quase uma dezena de pequenas borboletinhas invadiu a casa, provocando nossos sonhos, sorrisos, crenças e esperanças.