Quando me dei conta de que os cento e oitenta livros que mal haviam chegado da gráfica não poderiam ser vendidos, eis que faltava uma página, cai no choro, frustrada. O primeiro infantil que eu terminara e publicara depois de mais de duas décadas, e a edição que eu decidira bancar estava perdida. Pensei em queimar tudo, fazendo uma fogueira com a minha decepção. Enquanto enxugava as lágrimas, porém, ocorreu-me uma ideia melhor.
Imprimi o texto faltante, encartei no livro juntamente com um desenho para colorir e, com o coração aliviado, entreguei todos para os alunos da escola Municipal Therezinha Volpato, na cidade de Taboão da Serra, da qual minha amiga Camila é a Diretora. A ideia de que, apesar do problema técnico, ele poderia ser lido por crianças que normalmente não teriam contato com minha escrita, encheu-me de legítima esperança.
Marcamos uma conversa na escola com os alunos, meses depois. No dia anterior, fiquei um pouco ansiosa, relembrando momentos vividos há muitos anos, quando, uma jovem recém-formada, publiquei meus primeiros livros e estive com crianças que atualmente devem ter mais de trinta anos.
Tanto tempo se passou desde aqueles momentos, marcados de forma indelével nas páginas da minha história, mas por dentro sigo a mesma, desejosa de que os mundos nascidos dos meus sonhos, das minhas vivências e da minha inofensiva loucura, encontre assento dentro de outras almas, outros corações.
Quando criei o Abel, depois de muito pensar sobre quem seria a minha abelha, o meu personagem central, imaginei um ser dócil, sonhador, meio avoado, um pouco inseguro, mas dotado de amor pela vida e da coragem de buscar a felicidade. Em vários sentidos, Abel tem muito de mim, da minha pela admiração pelo caminho e a defesa inegociável pela liberdade de escolher os caminhos que se quer traçar. Ou voar.
Estar com as crianças de uma escola pública, lembrou-me das escolas em que eu mesma estudei, além de tantas outras nas quais meus pais trabalharam como professores. O cheiro da merenda na cantina, os corredores com desenhos pendurados, tudo me levou ao passado, ao tempo em que eu aprendia a ler e a escrever, sonhando acordada dentro das histórias dos livros retirados na biblioteca, pensando, desde aquela época, em mundos em miniatura.
Foi um dia especial em tantos sentidos! Desde a acolhida pela Camila, pelas professoras, pelos olhares curiosos e infinitos das crianças que me receberam de braços e sorrisos abertos. Autografei livros, ganhei elogios pela minha letra (que é bem feiosa, rs), recebi abraços, beijos jogados a distância, respondi perguntas sobre abelhas, sobre livros, sobre o Abel, ganhei dois bilhetinhos feitos em papel de caderno, dobrados, com declarações de carinho, de valor inestimável. Os melhores tesouros da riqueza que me alimenta e dá sentido aos meus dias e as minhas linhas.
Saí de lá agradecida, repleta de uma energia que não se compra, que não se pode exigir. O que ganhei das crianças foi muito mais do que eu ofereci. Eles me deram história, munição para os dias cinzas, para não me deixarem esquecer do que, no fim (e no começo) de tudo, vale a pena. E é em momentos como esses que eu me recordo porque amo escrever, sobretudo para o público infanto-juvenil.