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morcego 1

O duro foi permanecer sentada e olhando para o computador enquanto o morcego dava rasantes na minha cabeça. Tentei manter a dignidade e não gritar muito diante da plateia formada pelos meus cerca de cinquenta alunos da faculdade de Direito. Fiz o que pude, mas inevitável um gritinho ou outro, sempre que o filhote de drácula se aproximava.

Foi tudo culpa da Chica, minha gatinha frajola que, além de gulosa, é exímia caçadora. Só que ela não captura para comer e, para sorte das presas, nem para matar. Apenas, creio, tem certeza ou esperança de que irei apreciar a oferenda e, gentilmente me traz esses presentes. Chica Maria Eustáquia Borges, para citar o nome completo da bichana, é uma criatura curiosa, a propósito. Irmã mais velha dos outros quatro gatos que adotei, vivia pelas ruas quando filhote, até ser encontrada por uma aluna e vir parar aqui em casa. Não pode me ver ou me ouvir falando diante das telas do computador ou do telefone, que aparece do nada e se esfrega em minhas mãos como se não me visse há décadas.

Em outras duas oportunidades, também transformadas em textos, trouxe pequenos morcegos para dentro de casa, os quais conseguimos devolver para a escuridão da noite sem muita dificuldade e com todos os cuidados. Uma maritaca que igualmente foi imobilizada com sucesso, depois de muita gritaria, minha e dela, passado o susto, bateu asas para longe.

Na última quarta-feira à noite, entretanto, enquanto eu buscava animar uma sala de alunos mais quietos, fazendo o possível para mantê-los acordados, embora eu não faça a menor ideia da eficiência dos meus atos, já que todos permanecem com suas câmeras fechadas, senti um movimento estranho perto de minha cabeça e ao ver a Chica ao meu lado, olhando-me como quem espera recompensa, logo adivinhei se tratar de um morcego.

Há alguns anos venho colocando néctar para pássaros livres se alimentarem, o que fazem durante o dia, quando e se os morcegos não consumirem tudo durante a madrugada. E por mim tudo bem encher os reservatórios em formato de flor diariamente, aproveitem-se dele insetos, pássaros ou mamíferos alados, mas isso não significa um convite para casa adentro.

Pedi desculpas aos alunos, explicando-lhes a situação, alternando lições de ética profissional e uns bons gritinhos de pavor contido. Quando ele se agarrou na minha cortina novinha, eu só conseguia torcer para que não a sujasse. Prossegui na aula enquanto meu marido tratava de colocar o morcego para fora, sob o olhar vesgo e frustrado da Chica. No fim das contas salvaram-se todos: cortina, morcego e aula que, por certo, ficou bem mais divertida do que a análise sobre as competências do Conselho Federal da OAB.

Li em mais de um lugar que os gatos realmente gostam de presentear seus tutores e há muitos relatos sobre ratos, baratas e outros bichos, todos entregues em sacrifícios de amor. Tenho uma teoria de que os gatos são sacanas e fazem isso para se divertirem às custas dos humanos. Por via das dúvidas pensei em deixar uma lista de presentes ao alcance da Chica, na qual incluirei flores e, quem sabe, dinheiro. Tentar não custa nada.

Aliás, nessa semana, enquanto passeava com minhas cachorras, encontrei uma senhora com um pequeno poodle branco, já meio velhinho. “Ele gosta de dinheiro” – falou-me ela. Antes fosse só ele, pensei eu. E foi daí que me mostrou que ao oferecer ao cachorrinho um pedaço de papel qualquer, ele pegava e jogava fora, mas se fosse dinheiro, trincava os dentes, prendendo a nota e saía correndo. Só acreditei porque vi. Cachorro esperto aquele! Quanto será que cobra para ensinar a Chica?

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e gosta de morcegos, embora bem mais de dinheiro – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br